domingo, 11 de maio de 2008

Maria, Maria

“Maria, Maria é um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece viver e amar
Como outra qualquer no planeta
Maria, Maria é o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri quando deve chorar
E não vive, apenas agüenta
Mas é preciso ter força, é preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo essa marca
Maria, Maria mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania de ter fé na vida”
(Milton Nascimento e Fernando Brant)

O texto de hoje está há muito incubado em minhas idéias. E hoje é dia das mães no mundo inteiro, o que me deu a motivação que eu precisava para escrevê-lo. Talvez como homenagem, mas dificilmente a homenageada vai lê-lo – onde ela vive o máximo de tecnologia disponível é rádio e TV a cores com antena parabólica. Sem problema, pois nossa comunicação é de coração pra coração. Pra ilustrar, uma foto com minha Maria, ao lado de seu filho Geraldo e suas três netas. Estávamos em uma gruta de Santa Maria à beira de alguma estrada em Minas Gerais, lá nos remotos anos 70. Minha mãe também estava presente nessa cena: foi ela quem fez a foto.

Maria, Maria

Todo mundo conhece pelo menos uma Maria, ainda que seja apenas a Maria mãe de Jesus. Quem é cristão/católico é de alguma forma íntimo dela, certamente. Marias... na minha família existem algumas. Porém a mais marcante, mais sábia, mais compreensiva, mais humana de todas é a minha avó: Maria dos Anjos, quase 87 anos, 3 filhos, 12 netos, 8 bisnetos.

Mulher da roça, onde vive e de onde não quer sair, sempre levou (e ainda leva) uma vida simples: ali cresceu, casou, teve vários filhos (mas apenas 3 viveram). Desde 1921, quando ela nasceu sagitariana, em 21 de dezembro, o mundo passou por muitas coisas, boas e ruins. Nesses tempos remotos, mal havia rádio – ficava-se sabendo das coisas pelos tais caixeiros viajantes, que passavam ocasionalmente vendendo coisas.

O progresso foi chegando. Da casa de pau-a-pique e luz com lamparina de querosene passou a uma de alvenaria no início dos anos 80, com luz elétrica. Aí já era possível ter televisão: foi um acontecimento na roça. A casa dela ficava sempre cheia de gente querendo ver aquele tubo com imagens em preto e branco. A imagem era ruim, chiava muito porque o sinal era fraco e a antena não fazia milagres naquele rincão, mas mesmo assim era algo digno de “roupa de festa”. E a Maria dos Anjos sempre recebia com carinho e café a todos os que vinham assistir televisão em sua casa. Até hoje ainda há pessoas que aparecem por lá pra ver TV, que já há algum tempo é a cores – não porque não há luz elétrica em suas casas, mas porque não possuem uma televisão (a região ainda é bem carente).

Em algumas ocasiões, vi Maria ser afrontada, até insultada, ofendida... mas nunca, nunca mesmo a vi revidando a esses ultrajes. A palavra e o comportamento dela nessas situações sempre foram invariavelmente de perdão e compaixão. Até mesmo na partida de alguns de seus mais queridos ela foi serena: meu bisavô/seu pai, meu avô/seu marido, meu pai/seu primogênito... “é, tô enterrando um filho, mas é a vontade de Deus”, disse ela, certamente com dor no coração, mas de alguma maneira conformada com a separação, porque inconscientemente sabe que é temporária.

Maria dos Anjos tem uma força que ultrapassa a lógica dessa vida que ela vive. Sua sabedoria é infinitamente maior do que o pequeno mundo (geograficamente falando) em que ela viveu até hoje. Nunca foi à escola, mas aprendeu a ler e a escrever riscando o chão com gravetos. Nunca leu livros de auto-ajuda, mas foi capaz de suportar sozinha vários reveses na sua vida. Não sabe nada de psicologia, mas sua terapia do amor curou muitos. Não conhece os segredos da medicina, mas com sua fé benzeu muitas crianças e lhes tirou o incômodo que sentiam. Não entende de negociação, mas não conheço melhor conciliadora.

Acho que o Milton e o Brandt se inspiraram nela pra compor a música que leva seu nome... eu a reconheço em cada verso da canção, e já cantei pra ela. Mulher de papéis multiplos, cumpriu todos com maestria. E ainda cumpre. Não sei por quanto tempo ainda, nem sei se ainda a verei nessa vida, pois atualmente há um oceano (literalmente) entre nós. Mas onde quer que nos encontremos, vou sempre reverenciá-la como o melhor exemplo de mulher que conheci nessa vida, de quem muito aprendi e a quem muito admiro.

Bis bald!



quarta-feira, 7 de maio de 2008

Gardenal


A minha ida a Genebra, na Páscoa, rendeu muitas fotos interessantes. Entre elas, a do “Restaurant sans alcool” (Restaurante sem álcool). Ele seria um lugar ideal pra eu ir na época do texto de hoje... Mas voltando, passamos por ele na ida pra cidade alta e na volta. Até estiquei meu pescoço pra ver como era lá dentro... e o comentário do Tim se confirmou: “Restaurante sem álcool e sem clientes!”

Gardenal

A primeira vez que ouvi falar esse nome, nem tinha noção do que era. Só sabia que teria que tomar um comprimido por dia, ao deitar. Após uma convulsão durante o sono, fui parar num pronto-socorro, e o plantonista disse que eu tinha que ir a um neurologista. Minha mãe me levou a um, que pediu eletroencefalograma (EEG) e raio X do crânio. Ao pegar os exames, ele só disse que o raio X da cabeça era normal, não esclareceu coisa alguma sobre o EEG, mandou tomar aquele remédio toda noite e disse pra minha mãe que me trouxesse de volta no mês seguinte – mas que voltasse antes caso acontecesse alguma coisa.

Não aconteceu nada nem antes nem no mês seguinte – tudo na mais perfeita ordem. Então minha mãe pensou que não era mais necessário voltar. Ela não tinha obrigação de saber... o médico é que deveria ter explicado que era imperativo voltar na consulta, porque o tratamento não era coisa de um mês.

Eu tinha 12 anos, e era aluna exemplar na escola, só tirava notas máximas, era muito atuante no esporte, jogava vôlei no time mirim... enfim, tinha uma vida absolutamente compatível com alguém da minha idade. Ou melhor, quase compatível... era muito tímida e nunca tinha algum paquera. Mas isso é assunto pra outro texto.

Aproximadamente dois anos se passaram... e aconteceu de novo: convulsão, agora mais intensa do que antes. Susto geral em casa, afinal meus pais pensaram que eu estava “curada” daquilo. Pois é, o tratamento iria começar de novo ali, mas agora com informações corretas sobre o que devia ser tratado.

O meu problema era disritmia cerebral. A melhor explicação a respeito me foi dada por uma médica com quem me tratei dos 14 aos 18 anos. Ela não só explicou a disritmia com a diferenciou da epilepsia: “Imagine que o cérebro é um conjunto de lâmpadas que precisam acender e apagar simultaneamente. A epilepsia é quando uma lâmpada queima – e não tem como trocar, portanto, quem tem isso vai ter que tomar remédio a vida inteira. A disritmia é quando elas acendem e apagam desordenadamente. O remédio atua na reordenação das ondas elétricas do cérebro, reduzindo essa falta de ritmo até um nível em que o medicamento não será mais necessário”.

O interessante é que depois que passei a tomar esse remédio, comecei a ouvir colegas da escola dizendo (não pra mim) que quem tomava Gardenal era doido. Eu é que não iria assumir que tomava aquele remédio de doido... eu me considerava normal! Depois de pouco tempo entendi o motivo: pessoas que NÃO PRECISAVAM do remédio e que queriam “ficar doidonas” tomavam Gardenal com birita em grande quantidade, pra “dar um barato”. Nunca foi o meu caso: eu sabia que não devia tomar nada alcoólico e nem passava perto.

Foram longos anos de tratamento até que o medicamento pudesse ser suspenso. E como eu não podia beber nada alcoólico, aprendi a me divertir sem isso. Nas baladas da faculdade, era comum gente que não me conhecia dizer que eu estava “alegrinha” demais, fazendo alusão à bebida. Mal sabiam eles que a alegria era pura e genuína, do tipo que não precisa do álcool pra se manifestar.

Ah, hoje em dia eu não dispenso um bom coquetel numa balada, uma taça de vinho a dois ou uma cerveja em um biergarten (afinal, estou na Alemanha!), embora eles não sejam imprenscindíveis para a minha diversão!

Alguns que me conhecem pouco vão ler esse texto e dizer “bem que eu sempre desconfiei que ela tinha algo de anormal”... Fiquem tranqüilos... eu sou normal. De longe, porque de perto ninguém é!

kkkk